CD Sambêro



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ESTREIA EM DISCO DE MESTRE JONAS DIALOGA COM AFROSAMBAS E OFERECE CORTE GERACIONAL DA NOVA MÚSICA POPULAR MINEIRA

Fruto de uma década de produção colaborativa com letristas, arranjadores e intérpretes da cena atual, Sambêro acentua religiosidade e matriz africana de sua obra

Mestre Jonas palmilhou de pés descalços a religiosidade e a sonoridade de matriz africana desde a mais tenra idade, no terreiro de mãe Marli, sua mãe de sangue, no quintal da casa em que cresceu, num dos maiores conjuntos de vilas e favelas de Belo Horizonte, o Aglomerado da Serra.
E desenrolou a carreira musical no universo do samba, nas Minas Gerais. Mas seria restritivo supor que isso faria dele um sambista, apenas –por mais vínculos que se tenha, por mais lisonjeiro que fosse.
Presença certeira nos eventos da exuberante cena de samba e choro que floresceria no estado na última década, Mestre Jonas é um dos criadores de projetos que ajudaram a sedimentar o interesse e a movimentação em torno deste repertório.
Os mais notáveis são o Samba do Compositor (onde dividiria o palco com baluartes como Nei Lopes e Hermínio Bello de Carvalho) e o Samba da Madrugada (uma concorrida roda de samba idealizada e realizada com alguns de seus principais parceiros, nas madrugadas de sábado para domingo de Santa Tereza e, mais tarde, do bairro Caiçara).
Violonista, cantor e compositor, Mestre Jonas começaria a obter reconhecimento público a partir do projeto Reciclo Geral, importante termômetro de uma geração que começava a entrar em ebulição e reuniria cerca de 70 novos compositores numa série de oito shows, em 2002.
Desde então, sucederiam-se alguns shows no exterior (em 2008, em Paris) e apresentações em diversos estados brasileiros –com destaque para a curiosa turnê “Fuscazul”, que faria com Silvia Gommes a bordo de um Volkswagen azul, por capitais da região sul do país.

A estreia em disco revela um compositor superlativo, não apenas pela obra profícua que enfileira dezenas de composições inéditas, mas pela riqueza de sonoridades e a vastidão de temas e possibilidades estéticas que aborda e sintetiza.
Sambêro nasce, desde o título, como busca, mais que um fim em si. Gíria carioca atribuída, pejorativamente, a sambistas de pouca intimidade com o riscado, o termo é, aqui, ressignificado como forma de relativizar os limites que definem e nomeiam um percurso artístico.

Mais que a auto-ironia ou o questionamento da tradição que poderia insinuar, Sambêro é uma declaração de princípios de um artista curioso, permeável e atento, interessado pelo risco, aberto ao sincretismo, disposto a contaminar-se.
Fruto de uma década de convivência e criação colaborativa com os amigos, hoje parceiros, Sambêro esboça um retrato de época, geracional, pela confluência de interesses e a sintonia com músicos e intérpretes de formação e pesquisa estética diferenciadas, que se somaram naturalmente ao projeto.
Fortemente referenciado (intencionalmente ou não) em alguns dos momentos mais expressivos da música brasileira da segunda metade do século 20, o disco (lançado pelo selo mineiro +Brasil Música) ecoa, aqui e acolá, o trabalho de compositores e arranjadores como Moacir Santos, Edu Lobo e Baden Powell, letristas como João Bosco, Aldyr Blanc e Paulo Cesar Pinheiro, virtuoses como Egberto Gismonti, Juarez Moreira e Toninho Horta.
Se, de um lado, a matriz africana e religiosa manifesta em remissões à umbanda, ao jongo, à capoeira, à folia de reis, ao maracatu e à congada inunda o temário e as sonoridades, de outro, traços do jazz e da música contemporânea trespassam, indeléveis, os rumos da composição –na mão firme do pianista Rafael Martini, um dos mais inquietos e talentosos arranjadores da produção mineira atual.
O ataque dos sopros, as derivações do piano, os arpejos ao violão, a intensa e rica base percussiva, a carga de sentimento embutida nos coros ou na vinheta de abertura do disco (na voz de sua mãe) acentuam uma rara dramaticidade na música popular recente.
A alternância de convidados nos vocais desenha um instigante mosaico de registros e salienta ainda mais o potencial de Mestre Jonas como compositor –gravado em disco por artistas como Aline Calixto, Miguel dos Anjos, Leopoldina e Thiago Delegado.
As participações oferecem um espectro representativo do vasto manancial de instrumentistas e intérpretes da cada vez mais efervescente cena mineira destes tempos, num degradê vocal que vai de Sergio Pererê e Miguel dos Anjos a Silvia Gommes, Carol Araújo e Titane –uma das cantoras mais tocantes e admiráveis da música brasileira, espécie de madrinha desta geração.
O corte etário, flagrante, se manifesta também em parcerias com alguns dos compositores e letristas mais atuantes e destacados do cenário atual, casos de Makely Ka (“Santuário”), Dudu Nicácio (“Macaia” e “Bacuri”), Tadeu Morais (“Oratório”) e João Antunes (“Gato”).
A sinfonia de fontes e referências difusas remete, incisivamente, a uma intrigante atualização da herança de Baden Powell e Vinicius de Moraes, numa reinterpretação livre e cheia de frescor do legado deixado pelos afrosambas.
E insinua um caminho autoral maduro e consistente, pleno de possibilidades, que já demonstra fôlego e traz à luz (emoldurado pelo sorriso largo que lhe é peculiar) a força da simplicidade, da sinceridade e da renovação.

* Por Israel do Vale